Eu estava ainda no começo da minha carreira quando me pediram para orçar um projeto que envolvia um racha de carros de luxo no Minhocão fechado em que o influenciador convidado a participar podia ver seu vídeo da experiência ao final do trajeto.
Lembro de começar a pensar nesse projeto como problemático só por que teria que editar o conteúdo super rápido para ser usado na ação. Precisei de mais alguns minutos para começar a pensar nos riscos de se fazer um racha com carros de luxo, como segurar os veículos para algo assim? E mais alguns minutos ainda para pensar que íamos colocar motoristas comuns pra dirigirem em alta velocidade e, além de naquele momento não ter certeza se isso era legal, isso geraria um risco real de vida para todos os presentes. Mesmo conseguindo resolver tudo isso, ainda estaríamos estimulando uma atitude que, com certeza, não era muito legal, rachas, pelo código de transito, é infração gravíssima, não só gera uma multa alta, como o motorista perde o direito de dirigir e tem seu veículo apreendido.
Mesmo com todos esses poréns, comecei a orçar e somente quando estava passando pela cifra dos dois milhões de reais, longe de terminar, eles desistiram de apresentar essa idéia para o cliente.
Eu era inexperiente e pensei na inviabilidade da idéia de forma totalmente invertida, mas acredito que consegui contribuir de forma relativamente rápida para que não investíssemos mais tempo tentando fazer algo que não era realmente possível dentro da nossa realidade.
Muitas vezes, quando um projeto chega nas mãos de um produtor, ninguém de fato se ocupou em pensar a fundo sobre ele. Criativos fazem o que precisam fazer, pensam em idéias exuberantes, resultados impactantes e prêmios, muitas vezes mais que em todo o resto, mas é o trabalho de um produtor criativo que diz qual é a real viabilidade daquela idéia. Algumas vezes isso passa por adaptar um pouco e, a quatro mãos, decidir um caminho real para seguir.
Em tempos de isolamento social, essa disciplina da produção ganha um papel ainda mais protagonista quando se compromete a estudar viabilidade de projetos não só em termos financeiros e de prazo, mas também vendo de que forma aquele projeto não coloca em risco a imagem do cliente e das empresas envolvidas, e a saúde de um coletivo social muito mais amplo.
Antes de começarem a série de lives de sertanejos pela internet, tive a oportunidade de orçar um desses projetos através da minha empresa produtora e, apesar da solicitação ser para uma produção comum, estávamos no início do isolamento e as recomendações oficiais diziam para suspendermos todas as atividades não-essenciais. Assim, depois de conversar com alguns parceiros e ativar alguns contatos, resolvi fazer uma proposta de produção que considerava a viabilização da live de forma totalmente remota, mas com toda a equipe necessária envolvida e o envio dos equipamentos próprios para serem ajustados pelo próprio artista ou seu agente.
A idéia era reduzir o máximo de contato não essencial, simplificar sem perder qualidade, adaptar a demanda à realidade e ainda usar o formato como parte da comunicação. Íamos realizar a idéia, que é a função principal da produção, levando em consideração a viabilidade daquele momento.
Por fim, decidiram fazer as transmissões de outra forma, juntam cerca de 20 pessoas na casa do artista e transmitem para milhões de pessoas essas ações inovadoras de marketing. O sucesso das ações é inquestionável, o formato, por outro lado, ainda gera algumas repercussões duvidosas.
Com a proximidade da flexibilização do isolamento social e a retomada gradual dos serviços, acredito que um estudo de viabilidade mais atento pode ajudar na adaptação do trabalho audiovisual e colaborar para transformação da industria de forma permanente.

Ao meu ver, a melhor forma de lidarmos com essa mudança é pensarmos de que formas o paradigma antigo não inviabiliza a retomada, ou seja, estarmos aberto para que a transformação aconteça e pensar de que forma podemos colaborar com ela. Ao invés de lutar contra a mudança por simples medo de que ela nos prejudique, atuarmos ativamente pensando de que forma nossa contribuição torna a mudança melhor.
É essencial a troca de idéias entre pessoas que atuam na mesma função para que pensemos juntos como a categoria pode inovar e propor para esse momento que estamos vivendo. Acredito que nenhum conhecimento será jogado fora, é preciso somente avaliar qual é a melhor forma de usá-lo e os especialistas de cada área saberão melhor que ninguém.
Importante também estarmos atentos a como o mercado está se movimentando, como outras áreas estão se transformando, é muito possível que novos encaixes surjam a partir da mudança de outros. Além disso, o audiovisual foi sempre algo multidisciplinar, é especialista em colaborar.
Entendendo quais são os novos objetivos, não só das nossas produções, mas como sociedade, de que forma conseguimos um balanço entre o que podemos contribuir e o retorno que teremos? Depois, como podemos elevar tudo, qualidade, contribuição e retorno? É preciso sempre ter em mente o objetivo macro e ajustar a rota a todo momento.
De forma prática, sem poder (ou sem ser conveniente) juntar muitas pessoas num set de filmagem lhe convido a imaginar que tipos de conteúdos vamos ver se destacarem nos próximos meses.
Acredito muito, no início, na valorização das micro-equipes para realização dos projetos, uma vez que o controle de danos é mais certeiro. Projetos que são de alguma forma documentais ou tem uma linguagem naturalista sem abrir mão de qualidade estética, nesse caso, estarão beneficiados. Com poucas pessoas em campo, tomando todos os cuidados, é possível gerar um conteúdo de qualidade sem expor grandes grupos ou acelerar as curvas de contaminação.
Vejo o uso dos drones também crescendo bastante já que conseguem captar imagens com um distanciamento enorme. Existem muitas possibilidades dentro disso, já que se pode realizar um filme inteiro feito com drones, reduzir aglomerações e controlar as formas de contágio consideravelmente.
Produções remotas também são boas alternativas. Animações, captações em estúdio e stop-motions, podem gerar conteúdos muito interessantes se conseguirmos pensar em conceitos poderosos, acima de excesso de recursos necessários. Sempre me lembro das histórias em quadrinhos quando penso nisso. Apenas uma pessoa, sentada numa mesa consegue entregar tanto para tanta gente e a internet depois desses mais de 20 anos já mostrou que o vídeo também é assim.
Fantasio com a recuperação e valorização do conteúdo audiovisual brasileiro que foi produzido nessas dezenas de anos e que, verdade seja dita, a maior parte das pessoas nunca viu. De que forma podemos não só aproveitar o que já foi filmado para criar novos conteúdos, seja com partes de longas, curtas, séries, video-arte, como também somar esforços na formação de público para o audiovisual nacional?
O mais importante talvez seja a experimentação de novos formatos, estudar os projetos a partir do ponto que estamos. Quando sugeri fazermos a live de forma totalmente remota, imagino a insegurança que isso pode ter gerado em todos os envolvidos, mas acho que mais testes e experimentações vão nos levar a lugares interessantes nos próximos meses. As marcas talvez precisem ter coragem para serem OS influenciadores, ao invés de esperar o sucesso de alguém comum usando aquela tecnologia x para também ir atrás como sempre faz.
Acima de tudo, acredito que é preciso ter responsabilidade com o tipo de projeto que vai ao ar em um momento como esse, mas deixo essa parte para a imensidão de mentes criativas que colaboram dentro e fora das agências. Da minha parte, observo que depois dos conteúdos totalmente focados em pandemia, vamos precisar em breve migrar para coisas que realmente precisamos para seguir com nossas vidas. Provavelmente vamos passar pelo compartilhamento de formas práticas de lidar com novo formato de nossas vidas, desafios e jogos bombando sem parar, lives de todos os tipos, guias úteis, receitas, etc.
E você, que idéias tem e o que de novo nós vamos aprender com elas?